sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Cabeças

O sujeito com cabeça de papagaio entrou no bar, pediu uma cerveja gelada e acendeu um cigarro. Quase meia-noite e ele não queria saber de ninguém. Nenhuma mulher enchendo o saco, nenhum hipócrita se dizendo amigo; apenas um funcionário do bar servindo cerveja gelada, e uma musiquinha baixa nos alto-falantes baratos perdidos em algum canto estratégico do lugar. Era semana de apagão, mas o pé-sujo tinha gerador próprio, adquirido sei-lá-porquê.
Olhando para a fumaça que se chocava contra o copo embaçado, o sujeito com cabeça de papagaio apoiou seus braços no balcão de modo a esticar a coluna. Ele sentiu sono, como se estivesse derrotado após mais uma longa batalha no asfalto da grande e quente metrópole. As penas de sua cabeça, pequenas e multicoloridas, começaram a cair sobre o balcão e em torno da cadeira alta, no chão. Ninguém se incomodou, e o sujeito com cabeça de papagaio sequer ligou para isso. Continuou tomando a cerveja, fumando um cigarro atrás do outro, e olhando o pouco movimento do bar.
Houve um tempo em que o sujeito com cabeça de papagaio convivia com outros sujeitos com cabeças diferentes. Um tempo em que homens com cabeça de tamanduá conversavam com mulheres-lacraias, e mulheres com cabeça de tubarão-martelo davam em cima de homens com cabeça de aranha. A garçonete do melhor bar do Centro tinha cabeça de gata; o dono do mesmo bar, cabeça de buldogue. O cafetão boa gente tinha cabeça de bugio, e namorava, aos trancos e barrancos, uma velha prostituta com cabeça de naja. As crianças que mendigavam nos sinais tinham cabeça de urubu, cabeça de formiga ou cabeça de pica-pau. Eram tempos melhores, mais justos.
O sujeito com cabeça de papagaio matou o resto da cerveja e apagou o cigarro jogando o mesmo na espuma no fundo do copo. Sem asas que pudessem levá-lo a um lugar melhor, ele apenas se levantou, tirou um lenço do bolso, limpou o suor da fronte e saiu.