quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Mortos não sabem dirigir

Meu relógio falsificado marcava 11 horas e 32 minutos de uma noite fedorenta e pegajosa de abril. Beta-Siridó tentava manter a classe a duras penas, e isso significava vomitar o maior número de escórias ambulantes para os demais níveis de seu território. Após receber o telefonema do inspetor da Narcóticos Simon Corefield, peguei um táxi até o Nível L. Acendi um Tiparillo de aroma achocolatado e mandei seguir em frente. O motorista era um sujeito magro, calvo, ranzinza, que não parava de contar anedotas sobre o tempo em que Beta-Siridó era considerada uma “jóia rara”, segundo ele.
“Pois é, chefe, isto aqui era uma maravilha. Nada de crimes, chefe. Nada de baixaria”
“Difícil de acreditar”, respondi.
“Pois é, chefe. Nenhum habitante dos Níveis se metia a esperto com a Lei. Simplesmente não podiam, chefe.”
“Ainda bem que isso mudou. Caso contrário, eu estaria desempregado.”
“Isso, chefe, isso. O senhor tem razão, chefe.”
O rosto do motorista, pelo menos a parte dos olhos refletida no espelho retrovisor, não me era estranho. Mesmo dirigindo pela aerovia abarrotada de carros e motos, ele ainda arranjava habilidade para se mexer, como se estivesse coçando a perna ou algo assim. Isso sem falar na habilidade para tagarelar.
“É, chefe. As coisas mudaram. A gente nunca sabe o dia de amanhã, chefe. Nunca.”
“É...nunca.”
Seus olhos se paralisaram no espelho. Eu entendi o lance todo. Mas fui mais rápido. Saquei minha Webley modelo 43-C e disparei contra o assento do motorista. Três azeitonas ferventes atingiram o falastrão. Os freios funcionaram por instinto, e o táxi parou em um dos acostamentos. Parecia tudo planejado. Desci do veículo e verifiquei o alvo. Com o assento ainda soltando fumaça, olhei melhor para o rosto atônito e boquiaberto do motorista. Não havia dúvidas: era mesmo Barney “Linguarudo” Dammis, um ladrão de bancos que eu ajudara a colocar atrás das grades. No tempo em que Beta-Siridó já deixara de ser a tal “jóia rara”.
Liguei para o Distrito mais próximo e pedi o rabecão. Depois comecei a andar em direção a um dos elevadores comunitários que me levariam até o Nível L. Nada de táxis até o final do dia.

Rua Bourdain, número 8

Com movimentos certeiros, Padawan Marcuse levou o sanduba de salaminho italiano à boca. A hora da refeição era sagrada, e Marcuse deixou o telefone tocar sem atendê-lo. Pouco fazia diferença se alguém levava um tiro na rua, ou se alguma donzela tentava extorquir o sujeito apaixonado. O sanduíche de salaminho italiano importava mais.
Quando terminou o sanduba, Marcuse acendeu um Tiparillo e ficou uma boa meia-hora contemplando a vista poluída de Beta-Siridó. O Nível M não era lá grandes coisas, mas era melhor que um daqueles pardieiros do Nível R. Tinha sua cota de diversão, de horrores e aberrações. As mulheres davam para o gasto, e um sujeito decente como Padawan Marcuse podia arranjar uma bebida de graça. O telefone tocou novamente. Marcuse atendeu. Do outro lado da linha, uma voz feminina trêmula.
“Senhor Padawan Marcuse?...”
“Ele mesmo, madame. Posso ajudá-la? A senhora não me parece bem...”
“Eu acho que...estou sendo seguida. Meu ex-marido. E seus amigos. Eles roubaram um grã-fino. Eu...”
“Calma. A senhora está por perto?”
“Sim...duas quadras. Esquina da Bourdain com a Maderatti. Uma cabine telefônica amarela. Estou com muito medo, senhor Marcuse.”
“Estou a caminho. Se alguém tentar entrar na cabine, use a lista telefônica...”
Mal desligou o telefone, Padawan Marcuse nem se incomodou em descer as escadas do prédio sem o paletó e o sobretudo. Muito menos sem um Tiparillo aceso entre os dentes. Ele correu em meio à multidão, derrubou alguns pedestres, atravessou a faixa, quase foi atropelado por um caminhão de mudanças, e seguiu até a interseção mencionada ao telefone. Lá estava ela: a cabine amarela. E dentro desta, um piteuzinho que brilhava à distância. Corpo esguio, longos cabelos negros anelados, rostinho do tipo mignon, o todo embalado em um daqueles vestidos de algodão baratos que apenas o excitavam mais ainda. Padawan Marcuse também vislumbrou o lado negro da pintura: quatro gorilas com cara de poucos amigos, indo na direção da cabine. Pouco importava, pensou. Seria uma boa briga. E o prêmio não era de se jogar fora.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Capitão Ahab e os Gatos da Baleia Elétrica


Pobre homem era o Capitão Ahab. Triste, desconfiado e eternamente ranzinza. Singrando um mar de raiva à procura da besta-fera que devorara sua família e em seguida cometera a pachorra de palitar os gigantes dentes com uma de suas pernas. Com o rosto a expressar a ira de mil loucos demônios e os olhos esbugalhados de um fantasma sedento de vingança, Ahab permanecia no timão do Pequod, atento a qualquer movimento suspeito nas escuras águas do Pacífico. Um dia, uma semana, um ano. Quanto tempo até o encontro?
E eis que o bondoso Destino lhe presenteia. Um mamute dos oceanos infernais. Um Leviatã fosforescente e cravado de antenas. Um naco de carne dos deuses mais hediondos. A baleia elétrica.
“Desnaturada dos infernos. Ainda hoje hei de ter minha tão aguardada vingança”, bradou o lobo do mar. Entrou em um dos botes do Pequod, armado de três arpões fabricados por um armeiro chinês caolho, e remou sozinho na direção da bruta espécie. Ainda longe, já conseguia vislumbrar outros inúmeros arpões cravados no couro cetáceo, frutos de tentativas que invariavelmente acabavam em morte e lamuria. Tal qual marcos para cada homem morto. Então, encostou no gigante e alvo algoz, pulou em sua corcunda e cravou um dos arpões no grosso tecido. Não havia mais jeito de retornar ao bote. Agora era encarar o destino e partir daquela para melhor. Cravou o segundo arpão, depois o terceiro. Nada de o bicho reclamar. Apenas jorros de sangue e espuma em meio ao turbulento oceano. Ahab e seu inimigo eram um só. Para onde um fosse, o outro iria junto. Inferno? Céu? Limbo? Pouco importava.
Ahab e a baleia elétrica agora faziam parte do mar.

Apenas um diálogo

Ela olhou pra mim e disse: “você só vai conseguir queimar o teu filme, cara.”
Eu respondi: “em uma cidade onde quase todos me mandam para o inferno, qual o problema em ir se preparando?”
Ela tomou o resto da cerveja, e pediu mais uma garrafa ao garçom.
“Você é quem sabe. É tua vida”, ela disse.
“É o que dizem”, eu disse.
Sorvi o meu resto de cerveja, paguei minha parte e desapareci na noite fria.

Parindo Aranhas

No começo, achei tratar-se de uma simples obstrução do folículo pilossebáceo devida à deposição de resíduos epiteliais e de poeira, e que aparecia à vista como um ponto negro na pele. Um comedão, por assim dizer. Mas aí uma amiga minha me falou sobre a tal colônia de propionibacterium acnes. Então meu sangue gelou. Literalmente, aranhas nasciam na ponta do meu próprio nariz. Minúsculos aracnídeos, despejados de seus minúsculos ovos.
Pensei em mudar meu nome. Algo com “Aracno” no meio. Parecia imbecil.
Eu estava mesmo em maus lençóis.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Bandinhas e Bundinhas

Como todo cidadão adolescente e rebelde da metrópole selvagem, Adoniram Symm tinha grandes planos para o futuro. Para começar, bandas de rock, muitas delas, nas quais seria o guitarrista, o vocalista e o provável übber-womaniser sem escrúpulos. Os nomes das tais bandas não podiam ser melhores: Gabin and the Mokos, The Bay Roots, The Neros, Os Jujubas Satânicas, Capangas Malditos de Cortesia, Gilbert Solomon and his Conics. Tudo cereja em torta branca. Tudo milimetricamente planejado para cooptar o maior número possível de groupies, fãs e mulheres de bobeira.
Achar mulher na cidade grande era como entrar em um supermercado. O gerente raramente percebia se você afanava uma lata de refrigerante ou uma barra de chocolate importada. A sorte era uma questão de perseverança. Mas no caso de Adoniram Symm, nada disso importava. Ele tinha seus planos.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Somos Todos Calhordas Molhados

Chovia pra cacete quando coloquei o nariz pra fora do escritório. Protegido pelo sobretudo e envolto pelas piadas sem graça do zelador desdentado, enfrentei o dilúvio e comecei a caminhar em direção à cena do crime. Três quadras sob a chuva torrencial me colocariam no lugar. Além disso, tinha muito no que pensar, pois nada daquele caso fazia sentido. E isso mesmo com o pagamento adiantado e aquele diálogo pra lá de libidinoso com a mensageira de cabelo Chanel preto e olhos negros como os pensamentos do próprio Ceifador. Com o “How many more times” do Led Zeppelin por única companhia nas ruas desertas e alagadas de Beta-Siridó, pensei em largar tudo, comprar uma passagem para bem longe, e desfrutar das últimas semanas de um verão particularmente violento e encorajador. Mas aquilo seria uma besteira, além de nem um pouco profissional. Apesar da pressão do dia-a-dia, eu ainda encontrava certo prazer e alguma redenção em meio a cadáveres, mulheres fatais, capangas sem nome e o mais que manjado jet-set alienado e condenado.
Tais pensamentos, entretanto, foram violentamente interrompidos pela aparição repentina de Joe “Repolho” Brooks, um detetive da Zona Sul conhecido por seus métodos dignos de um carrasco nazista.
“Ora, ora, se não é o grande Padawan Marcuse. Que tubulação de esgoto te trouxe até aqui?”
Brooks não ia muito com a minha cara, e o sentimento era recíproco. De qualquer maneira, eu não perderia a deixa nem por um decreto.
“A mesma que instalaram no útero da tua mãe, Brooks...”, respondi.
Bons ou ruins, detetives particulares e demais tipo de respeitáveis carniceiros raramente saíam no tapa uns com os outros. Sorte de Brooks, que teria levado a surra de sua vida. Sorte minha, que teria sujado as mãos com um crápula daqueles. Azar nosso, pois seria a melhor maneira de evitar mais uma cena do crime envolvendo um traficante argelino, uma prostituta sexagenária e um jovem diplomata viciado.
Mais um caso na fétida metrópole de Beta-Siridó.
Nada de mais para um sujeito como eu.

Mudança de Planos

O encontro havia sido marcado para as 22 horas em um dos prédios decadentes da Rua Goldwin, na Zona Oeste de Beta-Siridó. Quando lá cheguei, um bêbado passou por mim e gritou um palavrão qualquer. Nem liguei. Já me bastava a confusão que arranjara ao aceitar aquele caso. Passei pelo porteiro sem dizer uma palavra, e subi as escadas até o quinto andar. Apartamento 510. Bati. A voz feminina imediatamente respondeu: “queira entrar, senhor Marcuse...”. Fiz isso.
O lugar era um moquifo espartano, e não combinava com o anjo à minha frente. As fumaças de nossos respectivos cigarros logo formaram uma única parede de névoa cancerígena.
“Sua fama o precede, senhor Marcuse...”, disse ela.
“É apenas minha carteira, boneca. Nunca se sabe onde esses ladrões vão estar”, respondi.
Ela usava um modelito caro e exalava um perfume francês último grito. Cheguei mais perto daquele pecado ambulante. Perto demais. Ela já segurava uma Webley apontada para o meu coração. Uma bela arma em uma bela mão.
“Por acaso sua mãe nunca lhe disse para não falar com estranhos, senhor Marcuse?”
Eu nunca havia conhecido minha mãe e fora criado em um orfanato violento da Zona Norte, mas isso não vinha ao caso naquele momento. À medida que o cano da Webley pressionava meu peito, as palavras da beldade fatal ficavam cada vez mais ásperas.
“O senhor matou meu irmão naquela tentativa de assalto ao banco Weismann. Agora vou lhe dar o troco...”
Sim, aquilo foi há muito tempo; um dos meus primeiros casos em Beta-Siridó. Mas com a morte prestes a me abraçar, eu não pude evitar as tais últimas palavras de um condenado.
“Escute aqui, boneca. Eu posso ser um cara durão, antisocial e dono de uma coleção de mais de 6000 rótulos de cerveja, mas uma coisa eu reconheço: você tem potencial, docinho. E isso ninguém vai poder tirar de você...”
Eu acendi o que podia ser meu último cigarro. Com lágrimas nos olhos, ela baixou o trabuco.
“Beije-me, senhor Marcuse...”
“Eu posso fazer melhor que isso, baby...”
Não havia dúvidas de que ela era irmã daquele debilitado mental.

Um caso para Padawan Marcuse, detetive particular do nível M de Beta-Siridó

Era noite de crime na megalópole de Beta-Siridó. Um figurão da Zona Leste metido com jogos de azar e contrabando de armas. Com um movimento que podia ser interpretado como puro ódio, Padawan Marcuse, projetou a guimba de seu Tiparillo de encontro ao hidrante e estudou a cena do crime. O corpo mutilado jazia em uma posição das mais bizarras, como se a vítima estivesse rezando uma última vez ajoelhada e cabisbaixa na calçada. A poça de sangue aos poucos se misturava com a água do esgoto e produzia um espetáculo de horror barato.
Marcuse acendeu outro Tiparillo, deus umas baforadas e caminhou na direção de um dos guardas que protegiam o local. Era um sujeito magro, de olhos esbugalhados e que cheirava a salaminho. Seu uniforme estava amassado e ele não parava de batucar o dedão de sua mão direita no distintivo cromado. Um novato. Com um ar de quem não quer nada, Marcuse mostrou suas credenciais. O guarda apenas fez um sinal de positivo com a cabeça.
“O que temos aqui, chefe?”, perguntou Marcuse.
“O de sempre. Empresário ligado à máfia dos jogos. Garganta cortada e alguns tiros nas costas só por diversão...”, respondeu o guarda.
“...ou garantia. O sujeito é bem grande. Não é daqueles que se renderiam tão facilmente.”
“Tanto faz. Bateu as botas. E agora há rumores de uma nova guerra pela sucessão...”
“Sei...Parece que vai ser uma semana daquelas no necrotério...”
O guarda riu, mas Padawan Marcuse permaneceu sério, fumando seu charutinho barato e tentando juntar as primeiras peças do quebra-cabeça macabro. Uma guerra de gangues significava mais personagens na história. E mais personagens na história significava mais dor de cabeça. Padawan Marcuse não era o tipo de detetive que gostava de pensar por muito tempo. Gostava das coisas simples, práticas e, se possível, com desconto. Coisas tais como pudim de leite, ou discos do Dean Martin. Mas isso já era uma outra história. O que Padawan Marcuse sentia naquele momento era um misto de cansaço e frustração. Cansaço por causa de sua rotina de detetive particular; frustração por estar falando com um projeto de ser humano que certamente não estaria vivo dali a dois anos.
“Vai esperar o comissário,” perguntou o guarda.
Padawan Marcuse deu duas longas baforadas no Tiparillo e cuspiu no asfalto.
“Não,” respondeu. “Vou embora. Muito trabalho pela frente...”
Um vento quente alisou o cadáver por alguns segundos. Depois parou.
Nem todos se davam bem em Beta-Siridó.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O encolhedor de cabeças alcóolatra


Quando a garçonete do boteco trouxe o enésimo rabo-de-galo, Bayoko Lovejoy vomitou aos pés da bela. A moça não teve maiores reações; até porque já estava acostumada com aquele tipo de cliente. Melhor não reclamar do que fazê-lo, espantar a clientela e receber um safanões do dono do moquifo. Com uma expressão de tristeza, ela colocou o copo sobre a mesa suja e desapareceu em meio à fumaça esverdeada e à clientela barulhenta.
Bayoko se refez do seu próprio jorro-surpresa, limpou a garganta e sorveu a dose com a rapidez de um raio. Era mesmo uma época decadente. Ele não era o mesmo. O mundo não acreditava mais nas mesmas coisas; fossem românticas, fossem fúteis. Bayoko era, aos olhos do populacho, um has-been, um dinossauro, carta fora do baralho, zero à esquerda. Enfim, um pobre e coitado encolhedor de cabeças do Estreito de Deltanite viciado em álcool.
Bons tempos aqueles em que Bayoko era o rei do pedaço, o imperador da cocada preta, a azeitona da empadinha, a última Coca-Cola do deserto. Contratado pelas melhores agências de Prima-Celerator, saía à procura de suas vítimas e voltava com suas cabeças devidamente encolhidas. Enfrentava matas fechadas, desertos abrasadores e povos hostis, mas voltava com a sacolinha recheada de diminutas cabeças.
Isso ficara no passado.
Bayoko parou de pensar naquilo tudo, engoliu o foguinho líquido e esfregou o rosto.
"Porcaria de vida", resmungou.

(continua...)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Dido & Aeneas (trecho de ópera baseado porcamente na homônima de Henry Purcell)

Dido (perplexa): “Porra, Aeneas! Essa tua rotina maldita já encheu o saco. Você não tem emprego fixo, fica até altas horas bebendo com as más companhias e ainda tá metido fundo com tóchico (sic) da pesada. Isso vai te levar pra cadeia ou pra debaixo da terra. Se liga, malandro! Tô te dando um toque na boa, na moral. O bicho tá pegando legal e você não tá dando a mínima. Só tá levando a vida na gaita. Se liga na dica, meu: camarão que dorme na praia, a onda leva...”

Aeneas (de ressaca): “Você não entende o meu lado, Dido do meu coação em chamas. É tudo culpa dessa vida rock’n’roll! Eu não tenho como controlar essas coisas. A bebida, os showzinhos, as mulheres loucas, os amigos duvidosos, os excessos das madrugadas passadas em claro. Isso tudo independe de mim. Eu sou um mero baterista fã de Phil Rudd e Keith Moon. Eu sou inocente ante toda essa conspiração por parte das forças ocultas do Universo! Eu sou uma vítima do Rock e do Roll! Nada mais, pô!!! Agora vê se me esquece e manda os escravos do palácio prepararem o meu lanchinho das 18 horas. Daqui a pouco tenho ensaio no estúdio e hoje o bicho promete pegar. Vamos despedir o vocalista e executar o empresário ladrão. Sabe como é: o rock’n’roll exige algumas medidas drásticas de vez em quando...”
(cortina)

Tele-Serviço

A esperança parecia não estar na ordem do dia de Flint Cameron. Além de passar por uma infinita maré de azar, Cameron era forçado a colocar as barbas de molho. Ex-pugilista, ex-estivador, ex-barman. Ex-ser humano. Naquele momento, Flint Cameron era considerado escória pela família, pelos amigos e por conhecidos. seus ex-colegas de trabalho o evitavam como a praga. Seus empregadores o transformavam em alvo de propaganda enganosa. E mesmo uma noite com alguma prostituta de bom coração era como um banho demorado em algum lago siberiano durante o mais rigoroso inverno. Em suma, Flint Cameron estava na mais fétida das merdas.
Quando o telefone tocou, Cameron já saboreava sua enésima dose de White Horse e seu milésimo Tiparillo com aroma de baunilha. Com movimentos lentos e despreocupados, ele atendeu. Era Cosmo Dill, garçom caolho do Vendetta Lounge, reduto de assassinos, meretrizes e demais anjos caídos. A informação na voz de ratazana de Cosmo não era das melhores, mas podia pagar o aluguel e ainda sobraria algum para um pequeno festival etílico.
“A coisa é quente, Flint. A vagabunda tá de caso com um grã-fino de Wall Street, mas quer mesmo é se ver livre do idiota e embolsar o cascalho.”
Mais uma viúva negra, pensou Cameron. Mais um panaca sem noção das coisas, prestes a ser enterrado sem ao menos saber o que o acertou. Flint Cameron sorveu o resto do mel no copo de geléia. Depois pensou na tal maré de azar que o atormentava. As coisas não seriam muito diferentes após aquele bico. Era só mais uma mulher fatal e mais uma bala no crânio de algum ricaço. Pura matemática em um mundo de palavras. E em meio a tudo isso, o “talento” de Flint Cameron a serviço da evolução humana.
Quando a fumaça do Tiparillo preencheu o ambiente novamente, Flint respondeu: “tá, tudo bem. Eu passo aí mais tarde pra pegar os detalhes. Agora vê se me esquece, Cosmo”. Assim que colocou o telefone no gancho, Flint se serviu de mais uma dose e resolveu ligar o rádio na estação de sempre.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Inspiração Emergente

Tudo que restava para Chris Esperanza era uma espiral de vícios, arrependimentos e medos. A voz de Doris Day na estação de rádio ajudava um pouco, mas Chris sabia que, cedo ou tarde, o frio da madrugada candanga o abraçaria forte e o levaria para alguma prisão em sua própria mente. Ele não estava mesmo inspirado, e isso já havia algumas semanas. A musa – uma delas pelo menos – o havia abandonado: fizera suas mala, não deixara bilhete de despedida e tomara o primeiro táxi fedorento em direção a algum pobre diabo recém-saído de um desses cursos motivacionais. Piranha desgraçada. Esperanza tinha certeza de que não precisava dela, de que conseguiria escrever alguma coisa que prestasse até o final de semana. Ele acendeu um Tiparillo e se serviu de outra dose de Famous Grouse com bastante gelo em um copo baixo.
“Todos passam por uma fase difícil”, balbuciou.
Oito meses depois, o mesmo Chris Esperanza estava no topo do mundo. Era um verdadeiro herói. Seu livro era um sucesso e ele emitia sonoras gargalhadas toda vez que alguém mencionava a tal musa – uma delas pelo menos. Vestido com o melhor que o dinheiro podia comprar, Esperanza freqüentava o jet-set das mais prestigiadas capitais do mundo. Já não pensava muito em seus anos de ferro e de fogo. Apenas curtia o presente e aproveitava o que uma vida pudesse lhe oferecer de melhor: mulheres, excessos, viagens exóticas e algum animal de estimação fora do comum. E toda vez que um fotógrafo disparava seu flash, Chris Esperanza exclamava o óbvio:
“Uau.”

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Discomedusa Grubert (um episódio baseado em sonho)

Resumo: no pâncreas do temido governador Kavka Von Paissandú, o major Grubert está perdido e ainda tenta localizar mais um objeto misterioso e crucial em mais uma missão secreta. Para piorar a situação, um assassino de classe T está em seu encalço e prestes a adentrar o corpo do governador. E agora?

Os sonhos e Pao Xiao Deng vinham efetuando uma certa evolução havia mais de uma semana. O tema era sempre bélico, com matizes de destruição, desespero e uma pitada de caos. No último sonho, uma nuvem negra de aviões espiões U2BF cobria os céus, sobrevoava uma pequena cidade e lançava bombas de jade envenenadas sobre a população. No comendo de um dos aviões, o próprio Deng, emitindo ruidosas gargalhadas a cada explosão esverdeada que pontilhava o solo e espalhava o odor da morte. Sua alegria só terminava quando ele se via diante de uma misteriosa mulher trajando um vestido vermelho sangue, e cujo rosto era coberto por um véu cintilante. Ela se aproximava de Deng e estapeava seu rosto, fazendo com que ele acordasse coberto de suor.
As duas luas de Namor ainda reinavam em meio a um céu azul sem nuvens. O assassino profissional acordou e soube que o dia seria quente e cheio de surpresas assim que notou seu transmissor mono-aural emitindo a luz vermelha de alerta. Era mais uma mensagem de sua misteriosa fonte:
Grubert dentro do corpo Paissandú. Pâncreas. Agir com rapidez e discrição.
Deng encarou a nova etapa com naturalidade. Não era a primeira vez que iria explorar o interior de um corpo no intuito de aniquilar um alvo. Já havia feito isso inúmeras vezes; em Bizkator, em Ulabama, no Deserto de Burton-Mélies e na temida floresta de Bovamaskee. Muitos de seus colegas reclamavam dos efeitos colaterais provocados por viagens intra-corporais: enjôos, vômitos, alucinações e dormência dos membros. Mas Pao Xiao Deng tinha seu trunfo ante tais perigos: antes e depois de cada viagem similar, ele engolia um comprimido de Nevatoxinium e uma cápsula de extrato de raiz de beterraba. Era tiro e queda. Sem trocadilhos. Com uma preguiça impar, Grubert apanhou suas tralhas e retomou a caminhada rumo ao coração do governador Kafka. O major pensava seriamente em largar tudo, dar uma desculpa esfarrapada e sair daquele corpo; talvez em direção a alguma praia de águas cristalinas do Estreito de Jarbas Vöb. Mas aí pensou na amada Malvina e nas milhares de almas que dependiam do sucesso daquela missão. Grubert inspirou com certa valentia e olhou para a confusa massa de órgãos que se estendia à sua frente. Seu objetivo era maior que seus desejos, e só havia um obstáculo a ser ultrapassado. O espião amarelo em seu encalço. Tal qual carrapato em lombo de boi, Pao Xiao Deng não media esforços para alcançar o major e recuperar o Discomedusa de Kafka. Em contato com sua base rebelde, localizada nos subterrâneos da metrópole de Teejoka, Deng analisava os movimentos de seu inimigo.
(continua...)

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Tentação Estelar

A cena era por demais surreal para que Timos Zaroof pudesse ficar de pé e não reagir. Até seu fiel e feroz pastor alemão Gonzo ficou paralisado e ofegante diante da horda de homens-calangos a mando do temível Barão Cagliostro Brahein. Sem tirar o dedo do gatilho de sua metralhadora KS-200, Zaroof vislumbrou a razão daquela pérfida emboscada. Sim. Não havia dúvidas sobre a única razão pela qual centenas de mutantes esverdeados deixariam suas tocas para caçar e destruir um único homem e seu cão.
Semanas antes do fatal encontro com os homens-calangos, Timos Zaroof era apenas mais um agente da Federação de Planetóides Classe B. Sua missão era percorrer o quadrante 8 de Efaistos e descobrir o paradeiro do embaixador Corey Brown, principal responsável pela aliança entre batráquios e humanos. Desaparecido havia meses durante uma apresentação da banda Phantom Screen em Hardcore Brasília, o diplomata era suspeito de ter tramado o assassinato do imperador Supiram Bourgeau, e desequilibrado a balança de poderes universais. As pistas investigadas por Zaroof o levaram ao avermelhado planeta Hellisbeck...
Foi então que Zaroof se viu obrigado a adentrar o famoso harém do Barão Cagliostro. Repleto de mulheres douradas, o lupanar oficial foi demais para o caminhãozinho de Zaroof. Lá pelas tantas, a agente se engraçou com uma das cintilantes moçoilas; logo a preferida do Barão. Aí já viu, né? Com mulher de barão não se mexe, mas Zaroof aparentemente não conhecia essa regra.
Cercado pelo homens-calangos, o agente imaginou o pior.
Não era para menos.

Sonho de um Mercador de Ópio-Cristal

Eu estava na Taberna dos Três Corvos, localizada na região de Markinos-Vood, tentando me livrar do meu último litro de OC, quando tive a infeliz idéia de pedir mais uma dose de Gimurette Safra 6838. Caí no sono ali mesmo, na companhia de um piloto de camelos tremuliano, e de um mendigo desdentado que não parava de falar nas corridas de Jenipar como se aquilo ainda estivesse na moda.
Me vi em algum pântano, ameaçado por um Tiranossauro Rex. Desarmado e nu, corria sem parar, por entre vegetações perigosas e insetos gigantes com cara de poucos amigos. A fera não parecia estar cansada, mesmo após alguns quilômetros de perseguição. Eu tentava correr em zigue-zague, mas parecia inútil. O animal continuava na minha cola. Não demorou muito para que me alcançasse, mas quando estava prestes a me devorar, acordei.
Ainda estava na Taberna dos Três Corvos. O dono acabara de servir mais uma dose.
A vida não estava nada fácil por aqueles lados de Markinos-Vood...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Litros Espaciais

Em nota publicada no último dia 08 de maio de 2076, o Conselho de Investigações Internas da Estação Planetária E-37 esclarece que as oitivas realizadas desde o mês de janeiro deverão continuar até que se esclareça todo o esquema referente à série de contrabandos realizada entre as colônias extraterrestres e ministérios de relações exteriores de diversos países na Terra.
Até o presente momento, doze suspeitos são mantidos sob a guarda do presídio Maelström, na fronteira com o Cinturão de Kuiper. As autoridades, no entanto, argumentam que o principal suspeito é Darius Moniz, chefe do Cartel de Marte e principal fornecedor de bebidas para estações espaciais ao redor da Terra. Quando preso, Darius consumia Astros Ballantines (Green Label), mas consumia mesmo um Wall Street 18 anos. A grande quantidade de bebidas, lacres, selos, notas falsas e garrafas vazias apreendidas surpreendeu os agentes encarregados pela Operação Bukowski. Ao todo, foram 1692 garrafas. Eram 666 garrafas só de Johnnie Walker rótulo diamante, mas também havia grande quantidade de tequila Borsalino Madre (132 garrafas) e aguardente Xavanskaia (127). Também foram encontradas garrafas das vodcas Berioska, Ludosk e Stolichnaya rótulo Ieltsin, bem como os licores Tarantino, Cul-de-Sac e Schuster Doré.
Sabe viver, esse Darius...

Últimas Frases ao Celular (parte 02)

“...Tudo bem, tudo bem. Perdi um braço, mas ainda me restam três...”

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ases vermelhos em um baralho esverdeado

Um jogo de vida e de morte por exelência. Sete almas condenadas de antemão, sentadas à mesa da taverna Monokono, localizada no coração do Gabão. Um jogo de cartas infectas, regado a aguardente, amendoim, mulheres e ódio. Um jogo de cartas silencioso, durante o qual até mesmo a respiração pesada dos jogadores era abafada propositalmente e subjugada pelo som estridente de pássaros, macacos, anfíbios e répteis. Sete jogadores, sete destinos imolados aos deuses. Os desalmados jogadores eram ícones de uma selvageria ímpar; homens e mulheres que colocavam a vida em sociedade em último plano; que viviam à medida que passavam as horas; que apenas reconheciam o Humano no que este tinha de mais instintivo e cruel, tal qual Homo Faber alienado e sorridente.
Em sentido anti-horário, como de praxe em círculos condizentes com o código de cramulhões e demais esbirros satânicos, os jogadores eram: Flavius Dubois, contrabandista de armas senegalês e fino apreciador da culinária canibal; Helmut Heinz, bioquímico alemão e junkie pagodeiro; Natasha Ivanova, chefe do famigerado Cartel de Odessa e ex-campeã mundial de lançamento de peso; Estebán Calypso, ator pornô de Barcelona e instrutor de mergulho para milionários; Tanisha Collins, assassina autodidata do Bronx e responsável pelo Departamento de Frituras do McDonald’s nas horas vagas; Coronel Mohamad N’Benguelê, do exército nigeriano e de quem mais pudesse pagar o preço de uma pequena guerra; e Lex Motumbo, mestre na arte do vodu, jornalista maldito e dono de uma “sucuri” de uns 40 centímetros.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Uma Problemática Aberração

O melhor atirador do Quadrante Sexto se chamava Zed Tovarich. Pelo fato de ser oriundo de Júpiter Bravo e possuir dois braços extras, era capaz de usar um rifle Karon-86 com silenciador ao mesmo tempo em que recarregava seu revólver de prótons para exterminar pulgões gigantes que devastavam as lavouras – e os lavradores – no Estreito de Rachmaninoff. Ao ser contratado pelo Ministério da Agricultura, Tovarich abraçou a nova missão com prazer ímpar. Embarcou no primeiro transporte universal no porto de Sorino, em Júpiter Bravo, levando suas armas, parte de seu pagamento e o desejo de uma certa vingança que devorava seu coração e sua alma havia anos.
Segundo Charles Nove, superintendente do Ministério e responsável direto pela contratação de Tovarich, tal serviço pedia uma pessoa ou um alienígena perito em certas artes bélicas nada ortodoxas no que tangia ao extermínio dos pulgões e de suas moribundas vítimas, assim como uma certa diplomacia quando em contato com os lavradores sobreviventes.
A missão foi um sucesso, resultando no aniquilamento total de 896 pulgões adultos, além da imolação de quase duas toneladas de ovos. Da colônia de 173 lavradores, apenas nove sobreviveram ao ataque dos pulgões no Estreito. Após a matança e o resgate, Charles Nove dispensou os serviços de Zed Tovarich e o colocou à disposição da Liga Civilizatória do Departamento de Justiça da Terra. O trauma, no entanto, permaneceu nas entranhas daqueles pobres lavradores que testemunharam o assassinato de seus entes queridos pelas hediondas criaturas. Corpos dilacerados, cérebros sugados, órgãos internos expostos e a certeza de que aquela maneira de morrer não era nada cristã.
Muitos viram em Zed Tovarich a imagem de um salvador, de um cavaleiro solitário quadruplamente calejado, que cuspia fogo e prótons ante as bocarras de centenas de malditos insetos. Outros sobreviventes, contudo, não partilhavam de tão romântica opinião, e permaneciam ligados a uma certa concepção pragmática do Universo, como se arraigados a um pós-guerra europeu. Monsieur Jacques Foudet era um deles. Quando indagado acerca dos feitos heróicos de Zed Tovarich, limitou-se a ajeitar sua boina em algodão egípcio, dar uma generosa cusparada de alcaçuz no chão e (a) exclamar:
“Ce pauvre garçon a des problèmes, putain de merde!!!”

O Maldito Pianista vinha de Marte

Ninguém sabia seu nome, ninguém sequer falava muito com aquele desgraçado metido a trouxa. Eu sabia seu segredo, eu sabia que aquele demônio bem vestido e bem penteado vinha de outro planeta, ansioso por conhecer novas formas de arte e curiosas formas de vida alienígena. Mas quem diabos acreditaria em um vagabundo como eu? Na certa me jogariam na mais profunda cela de Arkham e sumiriam para sempre. ELE não teria esse gostinho. Apenas continuaria tocando aquele piano sem saber que alguém, vindo do mesmo sistema solar, conhecia seu segredinho. Enquanto não achava uma maneira de desmascará-lo, continuava com meu próprio disfarce, pedindo esmolas de dia, retalhando inocentes de madrugada, indiferente àquilo que os humanos chamavam de “justiça”. De certo modo, eu não saía perdendo. Apenas prolongava minha estadia no planeta azul e contribuía, indiretamente, com seu balanço populacional, sem me importar com devaneios filosóficos ou lições de moral vindas das bocas de formas de vida que, sabia eu, podiam ser aniquiladas em questão de horas. Um simples raio Ômega e pronto: adeus humanos, adeus hóspedes ingratos, adeus piano. Era mais fácil gastar alguma energia bélica extraterrestre do que ter de conviver com pessoas e animais que viviam falando em evolução, religião e demais assuntos sem nexo algum.
De fato, eu estava mesmo pensando em construir minha própria nave espacial a partir de ferro velho e dar o fora daquele lugar infecto...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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Hymn of Hatred (por Robert E. Howard)

Oh, brother coiling in the acrid grass,
Lift not for me your sibilant refrain:
Less deadly venom slavers from your fangs
Than courses fiercely in my every vein.

A single victim satisfied your hate,
But I would see walled cities crash and reel,
Gray-bearded sages blown from cannon-mouths,
And infants spitted on the reddened steel.

And I would see the stars come thundering down,
The foaming oceans break their brimming bowl –
Oh, universal ruin would not serve
To glut the fury of my maddened soul!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ragazza Infernale

Quando adentrei o quarto 3030 da espelunca, lá estava ela, deitada sobre a cama desfeita por inúmeros atos de amor, fumando seu 47o Gitanes do dia.
Apesar de suas tendências cancerígenas, ela continuava o mesmo anjo diabólico de sempre; capaz de desarmar o mais astuto dos agentes com um simples e molhado estalar de seus carnudos lábios. E com a certeza de sair impune estampada em seus negros olhos. O calor da noite apenas reforçava sua capacidade de torturar aqueles que nada mais podiam fazer ante tanta beleza fatal.
Ao fechar a porta atrás de mim, senti que abria os portões de algum inferno particular, habitado por deuses embriagados e fantasmas falastrões; um inferno sem esperança para a lama, e cujo território era regido por Madame Betty.

Folga

Apesar do tempo de vacas magras, Jarubowski não abria mão de seus pequenos prazeres. Tocar seu contrabaixo era um deles. Envolto pela fumaça espessa do cigarrinho de palha, o pseudo-governador de Bouilly pensou no que iria tocar naquela hora da fresca madrugada: um Jaco Pastorius? Um John Entwistle discreto? Um Geddy Lee das antigas? Jarubowski tinha tempo de sobra para decidir. Estava de férias. Nada de caçar alienígenas em Plutão. Nada de lutar contra vampiras fluorescentes no quadrante de Tommykrauze. A penas uma sucessão de cigarros de palha comprados na banquinha de Monsieur Dukka e – quem sabe – alguma revista de música, de sacanagem ou de fissão nuclear.
Sim, o poderoso Jarubowski estava de bem com a vida; de bem com o silêncio de sua existência. Nada poderia perturbar o som de seu contrabaixo.
Nada poderia estremecer as bases do bom rapaz.

Cara Metade

Jonesy Harper era o único detetive particular contaminado por uma peculiar dupla personalidade que simplesmente o deixava louco em questão de segundos. Sua insólita condição o salvara inúmeras vezes de grandes enrascadas, fosse nas mãos sujas de políticos, fosse à mercê de gangues de adolescentes sedentas de sexo. Aquele que antes parecia um fracote engomadinho logo se transformava em uma criatura insana que destruía tudo ao seu alcance para encontrar o que desejava.
Uma noite, entretanto, Harper resolveu virar bicho em frente a uma boate de strip de quinta, e logo tomou dois socos do leão-de-chácara de três metros.
Lá dentro, Lubna, stripper de descendência eslava, efetuava um lap-dance por módicos duzentinhos...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Últimas Frases ao Celular (Parte 01)

“...O problema é que está chovendo e eu estou no meio de um tiroteio...”

Uma máquina para fazer besteira


Edward Röckwell inseriu a moedinha de dez centavos no ciclotrón plasmático e esperou até que a mesma resvalasse até o ponto H da máquina. Assim que ouviu o som característico, Röckwell puxou a diminuta alavanca de aço escovado e pôs a máquina para funcionar. O breu se fez de imediato, mas Röckwell estava consciente, pensando em todos aqueles momentos que o fizeram construir o polêmico ciclotrón plasmático. Haveria mesmo uma forma de ser transportado para outros mundos, em outras dimensões? Estava Edward Röckwell prestes a revolucionar a viagem no tempo? Ele era o último a ter respostas para tais questões. Estava em um escuro diferente, com apenas um zumbido abafado por companhia e a sensação de incapacidade ante o desconhecido. Mesmo assim, Röckwell manteve a calma e, aos poucos, percebeu que o zumbido diminuía à medida que seus olhos começavam a entrever uma certa luminosidade.
Quando finalmente seus olhos perceberam o resultado do experimento, Edward Röckwell não soube como se comportar. Estava cercado de criaturas horrorosas, monstros de quatro olhos e demais seres nojentos pra caramba. Sem pestanejar – ou quase –, Röckwell sacou a Glock que sempre levava consigo naqueles tipos de experimentos e descarregou um pente inteiro enquanto abria caminho entre os alvos.