terça-feira, 28 de outubro de 2008

Uma Problemática Aberração

O melhor atirador do Quadrante Sexto se chamava Zed Tovarich. Pelo fato de ser oriundo de Júpiter Bravo e possuir dois braços extras, era capaz de usar um rifle Karon-86 com silenciador ao mesmo tempo em que recarregava seu revólver de prótons para exterminar pulgões gigantes que devastavam as lavouras – e os lavradores – no Estreito de Rachmaninoff. Ao ser contratado pelo Ministério da Agricultura, Tovarich abraçou a nova missão com prazer ímpar. Embarcou no primeiro transporte universal no porto de Sorino, em Júpiter Bravo, levando suas armas, parte de seu pagamento e o desejo de uma certa vingança que devorava seu coração e sua alma havia anos.
Segundo Charles Nove, superintendente do Ministério e responsável direto pela contratação de Tovarich, tal serviço pedia uma pessoa ou um alienígena perito em certas artes bélicas nada ortodoxas no que tangia ao extermínio dos pulgões e de suas moribundas vítimas, assim como uma certa diplomacia quando em contato com os lavradores sobreviventes.
A missão foi um sucesso, resultando no aniquilamento total de 896 pulgões adultos, além da imolação de quase duas toneladas de ovos. Da colônia de 173 lavradores, apenas nove sobreviveram ao ataque dos pulgões no Estreito. Após a matança e o resgate, Charles Nove dispensou os serviços de Zed Tovarich e o colocou à disposição da Liga Civilizatória do Departamento de Justiça da Terra. O trauma, no entanto, permaneceu nas entranhas daqueles pobres lavradores que testemunharam o assassinato de seus entes queridos pelas hediondas criaturas. Corpos dilacerados, cérebros sugados, órgãos internos expostos e a certeza de que aquela maneira de morrer não era nada cristã.
Muitos viram em Zed Tovarich a imagem de um salvador, de um cavaleiro solitário quadruplamente calejado, que cuspia fogo e prótons ante as bocarras de centenas de malditos insetos. Outros sobreviventes, contudo, não partilhavam de tão romântica opinião, e permaneciam ligados a uma certa concepção pragmática do Universo, como se arraigados a um pós-guerra europeu. Monsieur Jacques Foudet era um deles. Quando indagado acerca dos feitos heróicos de Zed Tovarich, limitou-se a ajeitar sua boina em algodão egípcio, dar uma generosa cusparada de alcaçuz no chão e (a) exclamar:
“Ce pauvre garçon a des problèmes, putain de merde!!!”

O Maldito Pianista vinha de Marte

Ninguém sabia seu nome, ninguém sequer falava muito com aquele desgraçado metido a trouxa. Eu sabia seu segredo, eu sabia que aquele demônio bem vestido e bem penteado vinha de outro planeta, ansioso por conhecer novas formas de arte e curiosas formas de vida alienígena. Mas quem diabos acreditaria em um vagabundo como eu? Na certa me jogariam na mais profunda cela de Arkham e sumiriam para sempre. ELE não teria esse gostinho. Apenas continuaria tocando aquele piano sem saber que alguém, vindo do mesmo sistema solar, conhecia seu segredinho. Enquanto não achava uma maneira de desmascará-lo, continuava com meu próprio disfarce, pedindo esmolas de dia, retalhando inocentes de madrugada, indiferente àquilo que os humanos chamavam de “justiça”. De certo modo, eu não saía perdendo. Apenas prolongava minha estadia no planeta azul e contribuía, indiretamente, com seu balanço populacional, sem me importar com devaneios filosóficos ou lições de moral vindas das bocas de formas de vida que, sabia eu, podiam ser aniquiladas em questão de horas. Um simples raio Ômega e pronto: adeus humanos, adeus hóspedes ingratos, adeus piano. Era mais fácil gastar alguma energia bélica extraterrestre do que ter de conviver com pessoas e animais que viviam falando em evolução, religião e demais assuntos sem nexo algum.
De fato, eu estava mesmo pensando em construir minha própria nave espacial a partir de ferro velho e dar o fora daquele lugar infecto...