quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Rua Bourdain, número 8

Com movimentos certeiros, Padawan Marcuse levou o sanduba de salaminho italiano à boca. A hora da refeição era sagrada, e Marcuse deixou o telefone tocar sem atendê-lo. Pouco fazia diferença se alguém levava um tiro na rua, ou se alguma donzela tentava extorquir o sujeito apaixonado. O sanduíche de salaminho italiano importava mais.
Quando terminou o sanduba, Marcuse acendeu um Tiparillo e ficou uma boa meia-hora contemplando a vista poluída de Beta-Siridó. O Nível M não era lá grandes coisas, mas era melhor que um daqueles pardieiros do Nível R. Tinha sua cota de diversão, de horrores e aberrações. As mulheres davam para o gasto, e um sujeito decente como Padawan Marcuse podia arranjar uma bebida de graça. O telefone tocou novamente. Marcuse atendeu. Do outro lado da linha, uma voz feminina trêmula.
“Senhor Padawan Marcuse?...”
“Ele mesmo, madame. Posso ajudá-la? A senhora não me parece bem...”
“Eu acho que...estou sendo seguida. Meu ex-marido. E seus amigos. Eles roubaram um grã-fino. Eu...”
“Calma. A senhora está por perto?”
“Sim...duas quadras. Esquina da Bourdain com a Maderatti. Uma cabine telefônica amarela. Estou com muito medo, senhor Marcuse.”
“Estou a caminho. Se alguém tentar entrar na cabine, use a lista telefônica...”
Mal desligou o telefone, Padawan Marcuse nem se incomodou em descer as escadas do prédio sem o paletó e o sobretudo. Muito menos sem um Tiparillo aceso entre os dentes. Ele correu em meio à multidão, derrubou alguns pedestres, atravessou a faixa, quase foi atropelado por um caminhão de mudanças, e seguiu até a interseção mencionada ao telefone. Lá estava ela: a cabine amarela. E dentro desta, um piteuzinho que brilhava à distância. Corpo esguio, longos cabelos negros anelados, rostinho do tipo mignon, o todo embalado em um daqueles vestidos de algodão baratos que apenas o excitavam mais ainda. Padawan Marcuse também vislumbrou o lado negro da pintura: quatro gorilas com cara de poucos amigos, indo na direção da cabine. Pouco importava, pensou. Seria uma boa briga. E o prêmio não era de se jogar fora.

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