sábado, 13 de dezembro de 2008

Mudança de Planos

O encontro havia sido marcado para as 22 horas em um dos prédios decadentes da Rua Goldwin, na Zona Oeste de Beta-Siridó. Quando lá cheguei, um bêbado passou por mim e gritou um palavrão qualquer. Nem liguei. Já me bastava a confusão que arranjara ao aceitar aquele caso. Passei pelo porteiro sem dizer uma palavra, e subi as escadas até o quinto andar. Apartamento 510. Bati. A voz feminina imediatamente respondeu: “queira entrar, senhor Marcuse...”. Fiz isso.
O lugar era um moquifo espartano, e não combinava com o anjo à minha frente. As fumaças de nossos respectivos cigarros logo formaram uma única parede de névoa cancerígena.
“Sua fama o precede, senhor Marcuse...”, disse ela.
“É apenas minha carteira, boneca. Nunca se sabe onde esses ladrões vão estar”, respondi.
Ela usava um modelito caro e exalava um perfume francês último grito. Cheguei mais perto daquele pecado ambulante. Perto demais. Ela já segurava uma Webley apontada para o meu coração. Uma bela arma em uma bela mão.
“Por acaso sua mãe nunca lhe disse para não falar com estranhos, senhor Marcuse?”
Eu nunca havia conhecido minha mãe e fora criado em um orfanato violento da Zona Norte, mas isso não vinha ao caso naquele momento. À medida que o cano da Webley pressionava meu peito, as palavras da beldade fatal ficavam cada vez mais ásperas.
“O senhor matou meu irmão naquela tentativa de assalto ao banco Weismann. Agora vou lhe dar o troco...”
Sim, aquilo foi há muito tempo; um dos meus primeiros casos em Beta-Siridó. Mas com a morte prestes a me abraçar, eu não pude evitar as tais últimas palavras de um condenado.
“Escute aqui, boneca. Eu posso ser um cara durão, antisocial e dono de uma coleção de mais de 6000 rótulos de cerveja, mas uma coisa eu reconheço: você tem potencial, docinho. E isso ninguém vai poder tirar de você...”
Eu acendi o que podia ser meu último cigarro. Com lágrimas nos olhos, ela baixou o trabuco.
“Beije-me, senhor Marcuse...”
“Eu posso fazer melhor que isso, baby...”
Não havia dúvidas de que ela era irmã daquele debilitado mental.

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